Um guri chamado João | Edição 71
A melhor, mais moderna, mais bonita e mais barata newsletter sobre o Athletico
Nós estamos vivendo ou apenas levando gols de escanteio nos minutos finais dos jogos? É a pergunta que se impõe neste 2024, o ano do centenário do Athletico. Sem dúvida que não é a marca que gostaríamos ver grudada em data tão fundamental, até porque, ao menos em tese, não vamos participar da próxima virada de século do clube.
Mas a vida é o que é e não o que gostaríamos que fosse. Ainda assim, vejam só, já nos últimos meses da temporada secular, eis que ganhamos o melhor presente de aniversário possível. A torcida atleticana recuperada, exercendo, na plenitude, sua vocação para a fantasia, pirotecnia e quebra de recordes de público.
Portanto, nada a reclamar. Vamos em frente, como sempre fomos. E ainda há o que ser feito. No sábado, você comparecer ao evento da Newsletter Baixada, todos os detalhes estão abaixo. E no domingo, todos nós comparecermos ao duelo com o Fluminense, para mais um encontro com o que temos de mais importante: nós e nossa torcida.
Convite - 1 ano de Newsletter Baixada!
No próximo dia 30 de novembro (sábado) vamos comemorar um ano da Newsletter Baixada. A partir das 19h, no Restaurante Imperial, no Centro. Estão todos convidados, mas os assinantes pagos da NB têm vaga garantida. Quem quiser, basta confirmar a presença no link abaixo. Há limitação de lugares.
CLIQUE PARA INSCREVER-SE NO EVENTO!
Vamos celebrar o atleticanismo e, mais ainda, bater um papo com Augusto Mafuz e assistir a uma relíquia garimpada por nós. Encontramos um vídeo sobre o Athletico com roteiro do Paulo Leminski! Prepare-se para vê-lo e conhecer os bastidores dessa sensacional trama promocional para voltar à Baixada no final dos anos 80.
Encontro Newsletter Baixada
Quando: 30/11 (sábado)
Horário: a partir das 19h
Local: Restaurante Imperial, Rua José Loureiro, 111, Centro
Como: Inscreva-se (e indique os nomes se mais gente for com você)
|NESTA EDIÇÃO|
|PRELEÇÃO|
*Um guri chamado João
A história do menino que se apaixonou pelo Athletico por ser vizinho da Baixada. E tornou-se um dos nomes mais importantes da história do futebol brasileiro.
|SÓ O QUE REALMENTE INTERESSA|
*Tela Quente do Cartola
Acompanhe as mais loucas aventuras do Furacão na tábua de classificação do Nacional.
Esta é uma edição de Baixada, uma newsletter sobre o Athletico. Direto no seu e-mail, conteúdo do Furacão que não se encontra por aí. Produção independente de André Pugliesi e Sandro Moser. Inscreva-se abaixo e receba gratuitamente!
Não são comuns as imagens coloridas do futebol nos anos 70. Portanto, cada foto que aparece dessa época é uma revelação em full tenicolor. Quer dizer, então, que o mundo não era preto e branco? Acima, Rotta cobra pênalti para o Athletico na Baixada, em 1979, em duelo com o Colorado, a grama verde desbotada, o ginásio ao fundo e o céu pintado de azul e branco. Emociona.
|GRUPO EXCLUSIVO NO WHATS|
Quem apoia financeiramente a Newsletter Baixada recebe publicações exclusivas via e-mail e ainda participa do nosso grupo no WhatsApp. Fotos, vídeos, enquetes, áudios, material extra em toneladas de bytes.
Caso você queira apoiar, mas não quer usar o cartão de crédito, dá pra pagar por Pix. A chave é: andrepugliesi@gmail.com. Comunique a transferência e incluímos o teu contato na lista de assinantes pagos. Veja os valores dos planos abaixo. Obrigado!
Apoiar é fundamental para a continuidade das publicações. E, quem sabe, com mais recursos, possamos aumentar e diversificar a produção de histórias originais sobre o passado, o presente e o futuro do Rubro-Negro.
|PRELEÇÃO|
Uma reportagem, um texto, um relato extraordinário sobre nossas cores & valores
Um guri chamado João
Antes de tornar-se um dos mais importantes jornalistas esportivos do país. E antes de tornar-se o técnico que fantasiou e realizou a melhor seleção brasileira de todos os tempos, a da Copa do Mundo de 1970, João Alves Jobim Saldanha foi um menino torcedor. Que aprendeu a amar o Athletico ao se apaixonar pelo futebol na Baixada.
João Saldanha, como ficaria conhecido, viu-se arrebatado pelo Vermelho e Preto ainda criança, nos anos 20, sentimento que carregou até a morte, em 1990. E se o gaúcho de Alegrete se apresentava, também, como gremista e botafoguense, todo mundo sabe que nada é mais puro do que o primeiro amor da vida.
Foi por causa de uma circunstância geográfica que tudo aconteceu. Do Uruguai, o pai Gaspar Saldanha decidiu voltar ao Brasil em 1924. Trouxe a esposa Jenny, e os filhos João e Aristides, para morar em Curitiba, na Av. Iguaçu, no Água Verde. Aos fundos da nova casa, situava-se o campo de um clube recém fundado na capital do Paraná.
Originado pela reunião de outras duas agremiações, Internacional e América, o novato Athletico já destacava-se pela imponente praça esportiva, a primeira do estado a receber arquibancadas de madeira. Outro chamariz eram as cintilantes camisas vermelhas e pretas, listradas na orientação horizontal.
João viu-se atraído pelas movimentadas peladas na vizinhança, disputadas da manhã, ao longo de toda a tarde, até a última nesga de sol no terreno descampado. E dos primeiros contatos com a bola, o menino acabou, rapidamente, incorporado ao conjunto de piás da equipe do bairro. Daí, estava feito.
“O dia inteiro era racha, o tempo todo. Os moleques da rua jogavam ali, e eu ficava lá, lógico. Fui lá ver como era e acabei escalado no Filhotes do Athletico. Passei a torcer pelo Athletico e a gostar de futebol”, contou Saldanha, em trecho da biografia “João Saldanha, uma vida em jogo”, de André Iki Siqueira, lançada em 2007.
De torcedor e atleta do Rubro-Negro, Saldanha nunca mais se distanciou do clube, mesmo que tenha deixado Curitiba logo em 1931. Depois, formou-se em Direito, tornou-se jornalista, militou politicamente, foi dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), virou técnico de futebol e cronista esportivo. E exerceu tudo junto.
Enquanto isso, foi homenageado como sócio benemérito do Furacão. Transformado em cônsul do Cartola. Especulado como treinador. Participou até das contendas políticas, incluído em chapas concorrentes ao Conselho Deliberativo, como no pleito de 1974. E, sempre que possível, tratava do clube do coração. Com carinho.
Em 1970, já afastado do comando da seleção brasileira que iria ao México, na controversa demissão com interferência do presidente da ditadura brasileira, Gal. Emílio Médici, Saldanha veio à Curitiba em outubro. Faria a transmissão de Athletico e Santos pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o equivalente ao Nacional na época.
Carneiro Neto, em coluna no Diário do Paraná, publicada no dia 29, registrou as reações do colega de imprensa na cabine da Rádio Clube. Naquela noite, o Athletico acabou triunfando diante do Peixe de Édson, o Pelé, 1x0, gol anotado por Dorval, no Couto Pereira. Reproduzimos parte do texto, no destaque:
Assistimos a partida ao lado do João Saldanha, na cabine da Rádio Clube. Dizia o João no começo do jogo: “O nosso time – ele torceu que nem doido pelo Athletico – precisa ter cuidado com o negão”. Ele só chama o Pelé de negão, sem r mesmo.
Nos últimos dez minutos, dizia o João: “Puxa, esse relógio não anda e o negão está rondando o nosso gol”. Com frases simples, mas com conhecimento e inteligência, João Saldanha resumia o andamento da partida.
Quase 20 anos se passaram, e em 1988, Saldanha mostrou toda a sua indignação ante a possibilidade de o Furacão deixar, para nunca mais voltar, o Estádio Joaquim Américo. Na edição de 19 de fevereiro da revista Placar, foi instado a avaliar o movimento patrimonial do Cartola em direção ao Tarumã, para ser mandante no Pinheirão.
“O que pretendem fazer é uma estupidez. Parece que querem acabar com o clube”, revolta-se Saldanha.
No mesmo ano, em julho, Saldanha esteve com o jornalista Vinícius Coelho. E no Correio de Notícias, o colunista reproduziu parte da conversa. Na ocasião, o Furacão, que seria campeão, brigava com o Pinheiros pela taça do Paranaense, e acabara de empatar por 1x1 no confronto inicial, na Vila Olímpica, gol agônico de Vilson.
Uma das surpresas de João Saldanha em Curitiba. Ele pensava que o jogo de domingo fora na Baixada:
- Até falei na televisão que o jogo foi no Caldeirão. Então onde é que foi?
- No estádio do Pinheiros.
- Mas o Pinheiros tem estádio?E foi por aí o João nas suas indagações, pois ele sempre quer estar informado sobre tudo, especialmente aqui do Paraná. E de informação em informação, ele chegou ao Pinheirão. Quando soube que a Federação tira 10% das rendas dos clubes para construir o famoso “Monstrengo do Tarumã”, ele exclamou na roda:
- Mas isso aí é uma ação que até juiz de paz dá ganho de causa para os clubes.Depois o João quis saber porque o jogo não foi na Baixada. Quando soube, não conteve a exclamação:
- Desmancharam a Baixada?E prosseguiu:
- Esse pessoal aí não sabe o que custou para o Athletico a Baixada. Falem com o Caju, e se estiverem vivos ainda, com os irmãos Gonçalves, os Maeder, os Borba. Na década de 20, o Athletico havia ganho a área. Mas aí o Luís Guimarães, um poderoso rei do café, que construiu aquele castelo que depois o Lupion comprou e hoje é a TV Globo, entrou na parada e ficou para ele. Aí tivemos que fazer um enorme esforço e conseguimos adquirir o que seria o estádio que agora acabaram. Vão fazer clube social lá? Essa gente está brincando. Aonde vão arrumar o dinheiro? E vão jogar no Pinheirão? Mas aquilo é uma porcaria. O que estão fazendo com o Athletico?
Foram dezenas, centenas, não contamos, de interações registradas do Saldanha com o Athletico. E uma das mais fantásticas ocorreu também em 1988, em abril, quando o jornalista integrou o painel “Violência e Arbitragens” mediado pelo nosso Carneiro Neto e sediado no Hotel Del Rey, na Rua Ermelino de Leão, no Centro da capital.
Aliás, é impressionante como o Carneiro esteve próximo do Vermelho e Preto a vida toda. Significa? Significa. Mas, voltando, o fórum de debates foi riquíssimo e rendeu frases acachapantes do Saldanha. Abaixo, uma foto do evento e a expressão do nosso Antônio Carlos evidencia que o convidado relatava algo bastante grave.
Com a presença do ilustre torcedor na cidade, o Athletico, como instituição, decidiu presentear Saldanha. Porém, o guri que virou atleticano pois era vizinho da Baixada antecipou-se e sugeriu um lembrancinha bastante “inusitada”, para usar a expressão que é uma verdadeira praga nos títulos caça-cliques da internet.
O Saldanha pediu ao clube um… revólver. Valmor Zimermann, presidente do Furacão, prontificou-se a adquirir o mimo, e alguém foi correndo na especializada loja Az de Aspadas. Havia, entretanto, a dúvida sobre qual seria a estratégia para driblar a segurança no aeroporto, quando do retorno de Saldanha ao Rio de Janeiro.
Do tempo em que dar tiro nos outros ainda não era moda, ainda assim o ex-guerrilheiro gaúcho se envolvera em episódios com armas, como no faroéstico incidente com o goleiro Manga, do Botafogo. Como num filme, dos bons, Saldanha anunciou ao encontrar o camisa 1: “Vai sair sangue, mas é o teu”. Uma matéria do GE conta detalhes incríveis, com relatos de bangue-bangue surrealista.
Diante da curiosidade, e preocupação do Athletico, em não patrocinar um atentado às normas de segurança da aviação, Saldanha, enfim, tranquilizou a todos os pares rubro-negros: “Vou levar na bota”. Então, nada mais foi dito, nem perguntado, e o cronista voltou para casa com o novo equipamento, substituto do canhão que perdeu ao sentar o dedo numa farmácia do Leblon, para vingar uma empregada.
“O Saldanha era uma grande figura, boa praça, apesar da fama de durão. Lembro quando inauguramos o departamento amador e o convidamos, ele ficou muito feliz e emocionado. Sempre tive grandes encontros com ele”, recorda Valmor Zimermann, presidente do Athletico em 1984-85 e 1988-89, que confirma a transação do revólver.
Somente dois anos depois, na Copa do Mundo da Itália, em 1990, João Saldanha morreu, em Roma, vítima de enfisema pulmonar. Em 12 de julho, aos 73 anos, partiu o militante político, o técnico, o escritor, o genial e incisivo comentarista esportivo, e o guri que aprendeu a amar o futebol graças ao clube vizinho da casa dele, o Athletico.
Só no grupo dos assinantes pagos no WhatsApp:
Uma coluna do Augusto Mafuz, na Tribuna, que cita o João Saldanha, em 1995, sob o título “Despertar”. O início: “Se João Saldanha fosse vivo estaria feliz com o Athletico”.
As matérias de jornais que embasaram o texto da publicação.
Fotos do Saldanha numa passagem por Curitiba, em 1979.
Uma fundamental dica de vinho do cronista atleticano de Alegrete.
|SÓ O QUE REALMENTE INTERESSA|
Drible os caça-cliques, a histeria das redes sociais, desvie da confusão dos grupos no celular
No próximo domingo (1/12), às 18h30, o Athletico encara o Fluminense, na Ligga Arena, pelo Brasileirão.
|QUEM FAZ|
André Pugliesi, é jornalista, de Curitiba, 45 anos, tem 20 anos de atuação no ramo esportivo. Contato: andrepugliesi@gmail.com
Sandro Moser, é jornalista, de União da Vitória, 46 anos, escritor, autor da biografia “Sicupira - Vida e Gols de Um Craque Chamado Barcímio”.
Contato: sandrommoser@gmail.comathletico
que texto! essa newsletter é uma obra-prima.