Atleticano sofredor, mas feliz | Edição 93
A melhor, mais moderna, mais bonita e mais barata newsletter sobre o Furacão. Em Mauro Singer Nós Confiamos. Professor Carrilho presente
O futebol é terreno pródigo para discussões infundadas, polêmicas vazias e opiniões as mais estrambólicas. É parte do apelo e da graça do esporte. Debates que jamais se encerram, vão e voltam oportuna e inoportunamente, sem que, de novo, e assim sucessivamente, produzam qualquer resultado próximo do definitivo. Tudo bem, é do jogo.
Há, entretanto, um novo e sórdido componente que, impulsionado pela internet, degrada o cenário acima descrito. Discussões, igualmente infundadas, polêmicas, também absolutamente vazias, e opiniões, ainda mais estrambólicas, sobre situações que, é a novidade, simplesmente não existem nem nunca existiram. Foram criadas pela Inteligência, se assim podemos chamar, Artificial.
Dia desses, veja só, nós, atleticanos, estávamos confabulando sobre uma supostíssima camisa nova do Cartola, a de número 2. Curiosamente, uma representação ainda mais feia do que as bem feias criadas por torcedores, modelo supositório ricamente decorado com pinhas que mais pareciam, bem, deixa pra lá.
Confundidos por tal imagem compartilhada ferozmente nas redes, discutimos, então, sobre a possibilidade da realização do hipotético manto reserva, e se os desenhos que remetiam às raízes do Paraná eram efetivamente frutos da Araucaria Angustifolia ou se pareciam mais originados de algum pinheiro estrangeiro, tais como o Pinus Jeffreyi, Pinus Sylvestris ou, quem sabe, até mesmo o Pinus Strobus.
No entanto, o mais importante e grave: a camisa nunca existiu, não foi cogitada, não foi desenhada, embora guardasse correspondência ao repertório estético bastante contestável dos lançamentos do club desde o rebranding de 2018, aquela mudança em nosso enxoval e história que nos enfiaram goela abaixo. Em suma, ficamos putaços com nada, revoltados com um equívoco, indignados com o vento, absurdados com coisa alguma, e isso tem sido recorrente na Nova Era da IA. Foi só alguém que perguntou alguma coisa ao ChatGPT sobre a nova camisa do Furacão.
É quando aparece, e se insurge, em circunstância tão preocupanete, a não tão humilde Newsletter Baixada. Aqui, tudo é real, mesmo quando fruto da nossa imaginação ou delírio. E se é ruim, não foi problema na elaboração do pront. Tudo que aqui é publicado nós mesmos produzimos, artesanalmente, à moda antiga, como aquele cinzeiro de argila que você fez para o seu pai na escola, com muito carinho e nenhuma habilidade manual. Não trabalhamos com Inteligência Artificial.
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Nossos poetas de Placar
A conversa se estendeu e demorou para anunciarmos o tema desta edição 93 (que coisa, será que chega na 100?). Reproduzimos um texto lindo, redigido com o coração em chamas, como se o Peixoto tivesse feito um gol de trás do meio-campo, pelo Hélio Teixeira, e publicado na Placar, em 1981. É daquelas crônicas que integram a valorosa série “Escritos Épicos que Erigiram os Fundamentos do Atleticanismo Ao Longo da Existência Desde 1924”. Leia, e se emocione!

Hélio Teixeira morreu em 2015, com apenas 65 anos. Nascido em Palmeira, no interior do Paraná, construiu carreira sólida no jornalismo brasileiro, foi da Placar, da Veja, do Jornal do Brasil, faturou Prêmio Esso e atuou também como assessor de políticos proeminentes. E para o que nos interessa aqui: viveu, antes de tudo, como um tremendo rubro-negro.
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*Atleticano sofredor, mas feliz
Um texto do Hélio Teixeira publicado na Placar que é cânone do atleticanismo ao longo dos tempos.
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Atleticano sofredor, mas feliz*
Hélio Teixeira
O renascimento da paixão pelo Atlético Paranaense, descrita por um fanático: o jornalista Hélio Teixeira, chefe da sucursal da revista Veja em Curitiba.
Quarta-feira, dia 1º, o garçom do restaurante Tortuga tremia com o frio de cinco graus e não podia — como eu — se aquecer com um bom conhaque. Em volta, nas mesas repletas, a classe média curitibana teimava em usar a educada técnica de chamá-lo batendo um copo no outro. Grudado ao radinho de pilha, escutando o jogo Atlético e Londrina, na orgulhosa “Capital do Café”, ele só melhorou o serviço depois que o narrador decretou que o rubro-negro engolira o “Tubarão” com um retumbante 1 a 0, primeiro passo para garantir, quatro dias depois, um ponto de vantagem na decisão do primeiro turno.
Meio abobado, ele olhou para mim, que a todo momento checava o comportamento do glorioso Furacão, e não se conteve: “Já ando cansado de sofrer, mas resisto, porque este ano nós arrebentamos”. A meu lado, já meio baleado pelo frio espantado pelo conhaque, Zé Bétio, correspondente de Placar, deu o troco: “Ouvi esse papo milhares de vezes”. Embora já esteja há três anos com Curitiba, Bétio, um paulista, ainda não captou uma verdade indesmentível. Ser atleticano é uma bondade divina.
Nos últimos 23 anos, fomos campeões apenas duas vezes (1958 e 1970), mas mesmo com essa longa ausência de faixas a torcida se mantém fiel e curiosamente tende a aumentar. Domingo, dia 5, quando encaçapamos de vez o Londrina depois de 120 minutos de jogo, sob uma garoa intermitente, vento cortante e muito frio, os narizes vermelhos e lábios secos eram na maioria de torcedores jovens e de muitas crianças. “Sofredor de pai para filho”, tentam argumentar os coxas, ensandecidos com nossa paixão.
É verdade que, para segurar o filho como rubro-negro, todo pai atleticano lembra que Zico veste uma camisa idêntica à do Atlético e nada como presenteá-lo com uma bola vermelha e preta, além de camisa, calção e meia. Uniforme completo. E tem o Caldeirão do Diabo, estádio aconchegante, onde o jogador não é um anônimo. Lá é olhos nos olhos, e bafo na nuca do juiz e bandeirinhas. Barganhas, como se vê, perfeitamente compreensíveis e justificáveis.
Juntamente com nossas cores, duas nas quais não cabe a mim explicar a imensurável atração, é o nosso Caldeirão outro fenômeno que não deixou o Atlético se degradar. Na verdade, é sua sofrida torcida que ama esse acanhado estádio, cujos pinheiros no bosque do gol dos fundos são adubados pela urina nos intervalos de jogo.
Fui criado a três quadras do Caldeirão e me recordo de “Petitio”, o garoto espanhol que ao ficar nervoso tornava-se gago. Jamais o vi assistir um jogo do Atlético e conseguir falar novamente. Seguramente deve haver milhares de “Petitios”, embora sem gagueira, com o coração acelerado nos 90 minutos, ou 120, como contra o Londrina.
Esse time nascido da elite “pó-de-arroz” é hoje o mais democrata. Pretos e brancos, ricos e pobres, fecham os olhos quando os jogadores apontam no túnel, porque na inflação de três dígitos cal virgem faz o papel de talco. Governadores como Ney Braga e Paulo Pimentel são atleticanos ocasionais, porque quem segura as pontas é a turma da boca da bilheteria. Essa turma, alguns que não haviam sequer nascido, viram o Atlético ser despejado do campeonato de 1967 e renascer com elefante trajado de rubro-negro na Rua das Flores um ano depois. Djalma Santos, Bellini, Zé Roberto e sua visitinha à boate antes de qualquer jogo “só para sentir o ambiente”.
É bom lembrar de 1967 e comparar agora com os coxas em pior situação. E que assim continuem, amém. Nada como vê-los de crista baixa, se esgueirando pelas sombras de uma belíssima lanterna.
Descontar os berros do velho Manga em 1978, quando eles ganharam o título nos pênaltis e eu e o Francisco Camargo, outro atleticano doente, secretário da Tribuna do Paraná, amargamos a derrota no silêncio do sofrimento vivido desde o último título em 1970. Semana passada, ao aplaudir o “Troféu Simpatia” entregue aos coxas por uma seção da Tribuna (por não terem brigado com ninguém no campeonato), voltamos a um velho cumprimento: “Saudações rubro-negras!”. Fazia tempo, mas o Atlético está aí, com um time que, se não é um primor, exibe raça, nosso temperamento.
Pode ser que essas linhas, quando publicadas, encontrem o Atlético já sem o trunfo de um ponto a mais. Isola! Não importa, já valeu. Papamos e gozamos os coxas, fomos pras cabeças, tomamos conhaque e quentão, comemos pinhão cozido e esquecemos o sofrimento. Só restam as faixas.
*Texto publicado originalmente pela revista Placar em 17 de julho de 1981, na edição número 583 da revista que nos fez amar ainda mais o futebol.
|QUEM FAZ|
André Pugliesi, é jornalista, de Curitiba, 46 anos, tem 20 anos de atuação no ramo esportivo. Contato: andrepugliesi@gmail.com
Sandro Moser, é jornalista, de União da Vitória, 47 anos, escritor, autor da biografia “Sicupira - Vida e Gols de Um Craque Chamado Barcímio”.
Contato: sandrommoser@gmail.comathletico
Olá
Não faço parte do grupo whats app.
Se puderem enviar o convite, agradeço.